quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

done and dusted

Pois então, me formei. Findos os 9 meses de curso, tô revendo a idéia de que passou voando. Desde que cheguei aqui tive três endereços, trabalhei em quatro lugares diferentes, fiquei unha e carne com pessoas que eu nunca tinha visto, me afastei de pessoas de quem eu era muito próxima, senti muitas saudades da minha mãe, recebi a visita dela e voltei a morrer de saudades, e as saudades que eu sinto de quem não veio eu nem comento mais... Cortes, queimaduras, longas horas na cozinha, sapos engolidos, sucessos saboreados, restaurantes visitados e eternamente gravados na minha memória gustativa. Chefs que me inspiraram, me ensinaram a ver essa profissão com a devida seriedade e sem prejuízo da poesia, me tornaram ávida por feedback e aprimoramento e me mostraram que it's a long way to the top if you wanna rock and roll... but it's so much worth it! Museus, parques, mercados, pubs, caminhos, sol, calor, frio, neve. E me permitam a pieguice, mas sim: amor. Amigos que partiram ontem e que hoje já fazem a cidade parecer deserta. Aquelas pessoas pras quais a gente liga a qualquer hora e combina qualquer programa. Aquelas com quem mesmo as roubadas são divertidas e a roda na qual a conversa sempre vai girar em torno de sexo, álcool, drogas ou comida, porque a gente está mesmo à vontade, e seria um desperdício comentar o wikileaks ou o casamento do príncipe quando há margem pra tanta baixaria. E amor por aquele com quem eu hoje faço planos e que me dá uma das poucas certezas que eu tenho nessa vida: não sei pra que lugar, nem por quanto tempo, mas sei que vamos juntos.
Não sei se haverá um novo post tasting like london, mas mesmo que haja, é aqui que eu deixo registrada minha alegria pelo ano que passou, por tudo que eu vivi, meu amor por essa cidade, minha empolgação por estar em breve voltando pra casa e minhas boas vindas a 2011.
Esse blog foi criado pra contar pras pessoas no Brasil sobre a minha vida aqui. Em 2011, não estarei em Londres, mas seguirei escrevendo. Não sei se em inglês ou português, já que agora tem um povo que não fala português com quem eu quero manter contato, mas assim que definir, publico aqui.
Feliz Natal e um 2011 espetacular!
Mari

Columbia Market

O mercado de flores aos domingos é um dos principais motivos pra eu ser tão apaixonada pelo meu novo postal code. A Columbia Road, que durante a semana é um marasmo, nas manhãs de domingo se enche de cor e som. Flores lindas, barulho de feira, pessoas coloridas, bandas, e todas as lojas abertas. Nelas, vende-se arte, chapéus sob medida, bagels, maquiagem cor-de-rosa, mais arte, bugigangas de cozinha, decoração bem bolada, cupcakes, ostras... you name it. É meu primeiro destino quando acordo.













domingo, 5 de dezembro de 2010

tragópolis

Os hábitos etílicos adquiridos durante um ano de vida londrina trazem a conclusão de que até o alcoolismo é relativo. Dos meus colegas de Cordon Bleu, escuto sempre que em seus países de origem eles certamente teriam um "drinking problem" se bebessem na mesma medida em que bebem aqui. De fato, depois da escola, o pub é o cenário mais frequente da nossa rotina, e o fato de escurecer às 4 e meia da tarde serve como incentivo à abertura dos trabalhos em um horário cada vez mais prematuro. Não que os pints e shots só estejam liberados depois do pôr do sol, muito antes o contrário: quando o horário da escola mudou, lá por junho, passamos a terminar a primeira aula por volta das 11 da manhã. E o Angel on the Fields, que até então abria suas portas a partir do meio dia, passou a funcionar uma hora mais cedo.
Que o pub é uma instituição inglesa não é novidade. Curioso é perceber como esse ambiente tipicamente inglês, depois de 9 meses, fica entranhado de tal maneira em almas das mais variadas procedências. De modo que é bem possível que quando eu voltar a pisar em Tuims, Odeons e Jobis Brasil afora, eu sinta nostalgia das cortinas de veludo e da cerveja que de tão boa, pode até ser meio morna, quem se importa? Certamente estranharei quando um garçom vier tirar meu pedido na mesa. Aqui, se eu sentasse em uma mesa a espera de serviço, morreria de sede, certeza.
O sarcasmo dos bartenders combinado com a estranha sociabilidade que se apossa dos bebuns locais torna o balcão o local mais interessante de todo o ecossistema. É fantástica a mistura de polidez com cara de pau do rapaz que religiosamente vê chegarem ali caras sóbrias e até sisudas e as embebeda até que não haja sinal de dignidade no recinto. No balcão do pub, a reserva e frieza constante dos ingleses dá lugar a conversas livremente iniciadas com estranhos, pontuadas por piadas auto-depreciativas, flertes gonzos e piadas involuntárias. Saudades antecipadas ao pensar na média dos diálogos até hoje entabulados em noites tupiniquins...
Mas ainda que nos pubs a cerveja seja a vedete, os fígados ingleses não se limitam a ela. Eles podem mais, e a sede vai muito além. Pra se ter uma idéia, a London International Wine Fair, que acontece aqui anualmente, é tida como o mais importante evento no calendário internacional de vinhos e destilados. A cidade é a maior importadora na Europa de bebidas de todas as origens, e para os apreciadores alguns endereços específicos equivalem a uma espécie de EnoDisney. Para os leigos interessados, nesses mesmos locais é possível aprender um bocado sobre o universo vinícola.
Me enquadro no segundo grupo, e ontem resolvi me instruir um pouquinho na Vinopolis. Sendo frequentadora habitual do Borough Market, há meses que passava por ali e espichava o olho. Há algumas semanas, minha colega Lauren (Zilahy, guardem esse nome, em breve no olimpo dos chefs de New York) deu a idéia de fazermos um tour por lá, e eu aderi instantaneamente, por óbvio. Existem várias modalidades de tasting tours, nós fomos de Spirit of Vinopolis, que compreendia: uma sessão de "como degustar vinhos" (pulamos essa, já que aprendemos o be-a-bá da degustação na escola); 6 provas de "regulas wines" (não inclui premium wines,  os de classificação premier cru e grand cru); 2 provas de whisky (Chivas, 12 e 18 anos); 2 de rum (Doorly´s e Añejo); 1 coquetel de Bombay Sapphire (tomei um cosmopolitan com gosto de Clight sabor pomelo rosado, blergh); 2 de cervejas cujo nome eu esqueci (e não merecem ser lembradas mesmo) e 2 de absinto. Abdiquei de um dos absintos antes de abdicar da elegância, já que não tinha feito uma refeição decente durante o dia. Na verdade, teria abdicado de runs, whiskies, cervejas e gin, em favor dos vinhos premium. Vinho é a alma do negócio ali, e as degustações da bebida eram em um nível muito mais elevado do que o restante.
As garrafas, separadas por país de origem, exibiam uma etiqueta informando uva, nome do produtor, método de produção, características do terroir e aspectos de sabor, tanicidade e harmonização de cada um. No setor do Velho Mundo, vinhos gregos e búlgaros eram exibidos lado a lado com os tradicionais franceses, italianos, espanhóis e portugueses. Experimentei um grego, de uma região chamada Nemea, a uva era Agiorgitiko. Interessante, encorpado mas sem saber a carvalho, tinha um sabor intenso e ao mesmo tempo suave (não suave doce, vade retro!), de cor bem escura. Outra novidade, pra mim, foi um branco italiano feito a partir da uva Verdicchio. Extremamente jovem e fresco, achei meio sem graça. Mas aprendi que os Verdicchio, dependendo da safra e do método de produção, podem ser envelhecidos por até 10 anos, e fiquei curiosa pela bebida resultante desse envelhecimento. No Novo Mundo, a seleção de vinhos Australianos, Neo Zelandeses e Sul Africanos era bem diversificada, e eu gostei do que experimentei ali, especialmente um pinotage da África do Sul.
Não tomei notas e me arrependo um pouco. Talvez volte lá sozinha, com companhia fica difícil anotar tudo num bloquinho. Principalmente se a companhia sabe um pouco sobre o assunto: preferi ficar ouvindo minha amiga falar sobre os vinhos biodinâmicos e aprender mais um tanto. Pena que lá não havia nenhum pra gente provar. Pelo menos nenhum americano, já que muitos produtores europeus são biodinâmicos sem se rotularem como tais. A verdade é que o canto reservado às Américas foi a única parte que deixou a desejar, com um único produtor dos EUA e uma seleção nada empolgante de vinhos brasileiros. Um Malbec argentino defendeu bravamente o continente, em compensação.
Evidente que eu não chego nem perto de uma conoisseur, mas sou uma leiga curiosa e saí de lá decidida a voltar mais vezes. Não sei se vai dar tempo, já que vai se aproximando a data de partida, mas recomendo Vinopolis a quem vier pra Londres e gostar de comer e beber bem. A localização é perfeita, grudada no mercado sensacional de que eu já falei aqui algumas vezes, na beira do Tâmisa.
Mesmo que eu não faça um novo tour nos próximos tempos, a cidade está cheia de lugares onde se podem experimentar vinhos de qualidade, e de forma bem democrática (leia-se: não pagando absurdos em restaurantes estrelados). Escrevo isso e me vem à mente o Gordon's Wine Bar, entre as estações de Charing Cross e Embankment. Com uma fachada quase que imperceptível, o lugar é muito pitoresco e acolhedor, com paredes de madeira cobertas por recortes de jornais históricos e um porão de pé direito baixo, entre  claustrofóbico e romântico, com as mesas iluminadas por velas. Alguns vinhos são servidos direto do barril (Porto, Jerez, Madeira) e a carta toda é bem selecionada e acessível. Os funcionários são jovens, bem humorados e gentis, tem mesas na rua, e pra quem sentir fome, queijos deliciosos, conservas e patês que por si só já valeriam a visita. O único problema é que fecha cedo, como quase tudo na cidade. Ontem, por exemplo, chegamos lá e mal abrimos a 1ª garrafa, fomos convidados a nos retirar, antes das 11 da noite...
Partimos pra Brick Lane, e encerramos a noite com o much longed for Mojito fishbowl. Sim, depois de tanto álcool de fina estirpe, o que a gente queria mesmo era uma quantidade colossal de rum, limão, hortelã, açúcar e gelo, em meio aos freaks costumeiros de east London. Caminhei feliz e sutilmente ébria pra casa, e graças à frequência de orgias etílicas por aqui, meu domingo ensolarado foi livre de ressaca!

P.S.: como analfa tecnológica que sou, não consigo transplantar as fotos do meu iphone pro computador. Meu técnico/namorado chega em breve e resolve essa falha de sinapse. Boa noite e volte sempre.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

aberta a temporada do "passou voando"

Me diz o calendário: 29 de novembro de 2010. Resisto à informação: as fontes congeladas que eu vi hoje enquanto corria não condizem com o calor que eu costumo passar todo fim de ano. Busco a grade de horários da escola e ela também contraria minha noção de tempo. Diz ali que esta é a última semana de aulas. Não pode ser! O choque é maior quando percebo os poucos dias que faltam pra eu embarcar em Heathrow com destino à minha Porto Alegre. E aí o caos mental se instala, porque eu venho reclamando do frio, da poluição, do tube, do ritmo frenético da vida londrina, mas quer saber? Não consigo me acostumar com a idéia de ir embora. E o mais estranho é que eu não posso dizer que me sinta em casa aqui. Me sinto estrangeira, por vezes inadequada. Viajante. E a idéia de voltar ao meu safe haven me assusta um pouco. Voltar a ser conhecida pela vizinhança, voltar a ter a grande maioria das minhas criaturas mais amadas em um raio de 10km de distância. Tenho a impressão de que depois desse ano que passou, vou custar muito a me sentir em casa novamente. Seja em que canto do mundo for. E no dia em que a sensação de pertencer a um lugar me tomar de novo, sei que vou dar por encerrada a peregrinação. Sem pressa, tenho muito onde me sentir forasteira ainda nessa vida...
Já tô nostálgica antes mesmo de ir embora. E voltei a tirar fotos a torto e a direito pela rua. Já tô tão zelosa das minhas vivências londrinas que não vou mais escrever posts gigantes falando sobre tudo. Ficam longos demais, cansativos, e aqueles momentos únicos ficam todos amontoados. Vamos mudar isso.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Sai, encosto!

Não lembro se já narrei aqui as minhas desventuras londrinas em detalhes. Sei é que ontem tive um dia que despertou em mim a idéia de fazer um inventário de pequenos desastres diários, pra ver se meu anjo da guarda se compadece e passa a trabalhar com mais afinco. Ok, anjo, eu sei que já tive um upgrade. Afinal de contas, desde que cheguei em Londres não precisei de nenhum atendimento hospitalar, e meu problema de saúde mais grave vem sendo uma tosse. Cachorresca, porém inofensiva. Em comparação com a minha tentativa anterior de viver na Austrália, portanto, posso mesmo dizer que tô com sorte, muita sorte.
However, temo que eu ainda não seja uma cliente VIP. E queria saber quantas milhas faltam pra alcançar esse status...
Pois bem, segue então a apuração parcial das pedras no meu caminho:
* Trabalhar 16 horas e na saída encontrar minha bicicleta sem banco. Sim, roubaram o banco da bicicleta mais feia e capenga de Londres, me fazendo pedalar em pé por aproximadamente 40 minutos.
* Trabalhar 16 horas e na saída encontrar o mundo caindo, chegando em casa encharcada e adquirindo uma gripe crônica. Fato rotineiro, diga-se de passagem.
* Perder bolsa contendo celular, câmera, iPod, passaporte, pílulas e cartão, em pleno Soho, durante uma noite que tinha tudo para ser perfeita. Pra pessoa que achou a bolsa, deve ter sido uma noite sensacional mesmo.
* Descobrir que a renovação de passaporte roubado custa 128 libras no Consulado Brasileiro, e o re-carimbo do visto, 200, no Home Office.
* Ser convidada a me retirar da casa onde eu vivo, depois de 5 meses pagando aluguel igual ao da minha flatmate e ficando em um mini quarto, 3 vezes menor que o dela. Depois também de passar 3 semanas alimentando os gatos dela, limpando a sujeira deles e do ragazzo pra quem ela alugou o mega quarto, enquanto a própria curtia os trópicos.
* Procurar casa nova ensandecidamente, me deparando no mais das vezes com golpistas. Pra variar, quando não era golpe, era um landlord que subitamente ficou doente e não pode mais me mostrar a casa, depois de eu pedalar de Tufnell Park até Shepherds Bush só pra isso (northeast London to west London, coisa de 50 minutos. Já comentei que o frio chegou pra ficar? Pois.) Ou um quarto bom, bem localizado, onde subitamente se materializou um micro indiano, dizendo que morava ali e tinha desistido de se mudar.
Esses foram os acontecimentos mais marcantes, excluindo-se fatos corriqueiros como perder a chave do cadeado da bicicleta, esquecer a chave de casa ou ficar esperando mais de uma hora por amigos que ainda estão longe de adquirir a pontualidade britânica que já faz parte do meu ser.
Chego assim a um ponto muito curioso: é tanta coisa dando errado, porém todas as células do meu corpo resolvem ficar inexplicavelmente otimistas! Confesso que um setor muito importante da vida vai muito bem, melhor do que nunca, e isso ajuda bastante. Talvez por isso o desânimo em relação a todo o resto vá dando lugar a um sentimento do tipo: "ok, acho que não tem como ficar muito pior do que isso, então daqui pra frente, a tendência é melhorar." (Maneira de falar, eu sei que tem, sim, como piorar. Sempre tem. Não me leve tão a sério, anjo, nem eu mesma me levo...)
Minha mãe diz que esses contratempos são formas de manter afastados dramas maiores. Eu oscilo entre teses de olho-gordo, carma ou encosto, mesmo. Seja o que for, já deu. Quem me lê e gosta de mim, por favor, faça uma oração, simpatia ou coisa do gênero. Se alguém algum dia sentiu inveja (inveja do mal), livre-se desse sentimento ao constatar que minha vida tá longe de ser um mar de rosas. E pras pessoas que moram no meu coração e também vêm passando pela urucubaca mais longa e insistente já vista, CORAGEM! Tudo há de melhorar.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

luto e reflexão

No final do já distante 2008, freqüentando o curso de gastronomia da unisinos, cada aluno deveria apresentar um trabalho sobre determinada região do Brasil, falando sobre pratos típicos, ingredientes regionais, chefs expoentes e um pouco da história e geografia local. Escolhi o Pará, sem pestanejar. Naquele meu 1º ano de envolvimento acadêmico com a gastronomia, a ascensão dos ingredientes nacionais era dos temas que mais me fascinavam. Alex Atala, Ana Luiza Trajano, Claude Troisgros e muitos outros nomes já vinham apresentando matéria prima genuinamente brasileira em pratos de apresentação impecável e sabor surpreendente. Procurando entender melhor esse movimento de valorização dos nossos produtos, cheguei ao nome do chef Paulo Martins.
Arquiteto por formação, cozinheiro por paixão, Paulo Martins teve o mérito de posicionar ingredientes como jambu, tucupi, tucunaré e tantas outras preciosidades amazônicas em cardápios glamourosos do eixo Rio-São Paulo, a partir da cozinha do Lá em Casa, seu restuarante em Belém. Comandou o Festival Ver-o-Peso da Cozinha Paraense, descortinou a Amazônia para Adriá e foi um embaixador aguerrido da culinária brasileira. Pesquisar sobre a trajetória deste homem no início da minha caminhada gastronômica foi muito inspirador. Receber a notícia do seu falecimento, ontem, foi muito triste e fez pensar. Não deixa de ser uma infeliz e curiosa coincidência, dado o momento que eu vivo agora, já pincelado no último post.
Quando optei pela gastronomia, só enxergava o futuro na frente do fogão. Não me passava pela cabeça abraçar a pesquisa acadêmica da alimentação, talvez porque depois de anos de formação jurídica eu estivesse farta de teoria e só pensasse em partir pra prática. Cansada de papel, prazos e processos arrastados, eu queria trabalhar com produção e resultados mais rápidos, e a idéia de tudo o que acontecia em uma cozinha no espaço de um dia me fascinava: do silêncio e limpeza no início do dia, passando pelo mise en place e a correria do serviço, até o retorno ao estado inicial no apagar das luzes, já no início da madrugada.
Hoje percebo que talvez essa nova trajetória estivesse cozinhando em fogo baixo desde o princípio.
Do meu trabalho em 2008 ficou uma vontade de me aprofundar no tema dos produtos regionais, e no ano seguinte surgiu a oportunidade pra isso. Era meu último ano como estudante de direito, e antes de pegar o canudo e vir-me embora cozinhar sossegada, eu devia apresentar meu TCC. Ciente de que qualquer tema jurídico clássico equivaleria a procrastinação, mediocridade e possivelmente reprovação por minha parte, fui meio inconseqüente e decidi tratar de comida. Sim, comida no direito. E nada mais apropriado do que um jurista-gourmet francês pra deixar bem clara a íntima relação que pode existir entre esses dois universos, à primeira vista tão distantes. Depois de ler o livro Droit et Gastronomie, de Jean-Paul Branlard, tratando sobre as appellations d´origine, pensei com meus botões que a questão, aplicada aos produtos nacionais, poderia dar muito pano pra manga. Daí pra frente foi-se um ano de pesquisas, dificultadas pela pouca atenção dedicada ao tema até o momento. Tive a sorte de escolher como orientador - e ser aceita por ele como orientanda - um professor aberto e interessado, Fábio Morosini, que deu a maior força na minha empreitada. E aprendi muito sobre o instituto das indicações geográficas, seu surgimento na Europa, sua proteção na OMC. A ponto de me convencer de que muitos alimentos ao redor do globo fariam jus ao mesmo tipo de proteção, sendo o Brasil um país a se beneficiar - e muito - caso seus produtos gozassem de mais status no cenário internacional.
E aí voltei ao ponto de partida: a obtenção de proteção depende de um processo longo de demonstração do valor de determinado produto, de sua importância cultural para a região de onde provém, e isso depende de muito empenho. Empenho como o de Paulo Martins, um pioneiro em mostrar como nós brasileiros devemos nos orgulhar tanto do pato ao tucupi, quanto um provençal se orgulha da bouillabaisse.
Pra minha surpresa, no final do curso, descobri que a pesquisa acadêmica poderia ser muito prazerosa e produtiva. Feliz com a minha nota, guardei meu trabalho e considerei aquele um ótimo fechamento de etapa. Não pensei em como daria continuidade à minha pesquisa, meu foco era Londres, Cordon Bleu e tudo o que vem acontecendo por aqui.
Ultimamente, como eu escrevi antes, venho me questionando sobre o rumo que essa opção de vida vai tomar. E a triste notícia recebida ontem contribuiu em muito para as conclusões que vêm sendo tiradas.
A ver.
Que a energia de Paulo Martins siga viva em suas sucessoras, e que ele possa ver, desde algum lugar desse universo, a costela de tambaqui no cardápio de restaurante com estrela michelin!

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

and it´s kind of bittersweet

Ontem minha mãe me lembrou de que eu tinha um blog. Sério, eu tinha esquecido completamente. Vim refrescar a memória por aqui e me dei conta de que o último texto datava do início do 2nd term na Cordon Bleu. E eis que agora, o intermediate cuisine está nos seus últimos lances, e eu passei esse tempo todo sem divagar nesse canal. Por pura falta de tempo. Mas como me fez falta a escrita em tantos momentos intensos dos últimos 3 meses...
Pois bem, comecei a trabalhar em um restaurante sensacional: Viajante, do chef português Nuno Mendes. Tô no pastry, aprendendo muito e dedicando quase todas as minhas horas - e forças - à cozinha. O cardápio é moderno, e como o nome do restaurante sugere, reúne influências das várias andanças do chef pelo mundo. É um lugar novo, abriu no início deste ano, fica em uma região inusitada/moderninha aqui de Londres (Bethnal Green), dentro de um design hotel que cotumava ser o town hall. A experiência tem sido intensa e reveladora. Comecei trabalhando em todos os dias em que não tinha aula. Se tivesse aula das 8 às 11, ia pra lá depois e só saía depois da 1 da manhã. Pedalando, muitas vezes na chuva, dormindo uma média de 4 horas por noite... aprendendo muito, mas também fazendo várias cagadinhas que andavam acabando com a minha já minguada autoconfiança. Semana passada, próxima de um burnout, fui até o chef pedir as contas. Jurando que ele daria graças a Deus por se livrar dessa parva que vos escreve. O homem é um tipo sinistro: grita, exige, pressiona e mete medo. Falei pra ele que tava exausta, que não conseguia fazer um bom trabalho nem ali, nem na escola e que não me sentia capaz de continuar nesse ritmo. Ao que ele me surpreendeu com a proposta de trabalhar menos dias e ter um tempo pra mim, falando que eu só precisava ser mais atenta e que já me considerava parte da família. Um momento de ternura vindo de um brutamontes é das coisas mais comoventes que podem existir! Adorei a idéia, e óbvio que aceitei, me sentindo reconhecida e um pouco mais tranquila - sim, porque até então andava sempre tensa na cozinha, em estado permanente de semi-pânico.
Essa semana já tô trabalhando menos, recuperando horas de sono e sinceramente, estranhando um pouco a quantidade de tempo à minha disposição. Mas adorando poder estar em casa, ler, rever os conteúdos do trimestre (amanhã já tem exame final escrito, e semana que vem, prova prática). E também ruminando muito essas minhas impressões sobre a rotina na cozinha... ali, em um restaurante bacanérrimo, trabalham-se em média 14 horas por dia. Nesses dias sem folga, meu sono, minha alimentação, meus cuidados pessoais, tudo isso foi completamente desregrado, e o desgaste físico é imenso. Perdi a conta de quantas vezes meus olhos se fecharam durante as demos na escola e não conseguia fazer mais nada, desde arrumar meu quarto a abrir meus e-mails, que dirá escrever! Lógico que a parte boa faz valer a pena, e acredito mesmo que o real aprendizado na cozinha só vem dessa forma. Mas me questiono, porque sei que não pretendo levar uma vida tão sacrificada por muito tempo. E sempre acreditei que um bom chef deve ter total controle e conhecimento sobre sua cozinha, de modo que essa não é uma das profissões em que com o tempo, a coisa fica mais relaxada e as horas de trabalho mais flexíveis - pelo contrário.
Por outro lado, sinto falta de estudar, pesquisar, escrever e entrar na parte mais acadêmica da alimentação. Conhecer e falar sobre lugares, diversificar meus ambientes de troca e convívio, me aprofundar na culinária francesa - que é o que eu vim aqui aprender... quero fazer tudo isso. A cozinha me fascina, e quero me manter dentro dela, mas a idéia de dedicação exclusiva não me agrada tanto. Até mesmo pelo sinal claro que meu corpo me deu há alguns anos quanto à sobrecarga e ao stress. Quero qualidade de vida!
A área que eu escolhi fascina pela gama de opções que oferece, e ter esse insight não altera em nada minha paixão pela comida, pela cozinha e pela vida nesse universo. Só me faz abrir os olhos pra outras possibilidades, e neste momento meus dedos coçam pra escrever sobre meus planos pra 2011. Mas vou me reservar quanto a isso, esperar as peças se encaixarem.
No balanço geral, posso dizer que com essa folga extra que ganhei, fico em paz, feliz e com tempo pra definir os próximos passos.
E no mais, a vida segue muito bem: paz no lar, depois de algumas rusgas com a minha roomie; coração alegre e saltitante; e a vida escolar cada vez mais interessante. Agora em setembro tenho férias bem longas, nas quais devo trabalhar mais, e se tudo correr bem, em outubro começa a etapa final do curso. Nem dá pra acreditar em como o tempo tá voando e as coisas acontecendo em uma velocidade absurda!
Vou dormir agora, pra chegar bem à minha prova amanhã de manhã. Wish me luck!
(Saudades dos pedaços de mim espalhados por esse mundo)