terça-feira, 19 de outubro de 2010

Sai, encosto!

Não lembro se já narrei aqui as minhas desventuras londrinas em detalhes. Sei é que ontem tive um dia que despertou em mim a idéia de fazer um inventário de pequenos desastres diários, pra ver se meu anjo da guarda se compadece e passa a trabalhar com mais afinco. Ok, anjo, eu sei que já tive um upgrade. Afinal de contas, desde que cheguei em Londres não precisei de nenhum atendimento hospitalar, e meu problema de saúde mais grave vem sendo uma tosse. Cachorresca, porém inofensiva. Em comparação com a minha tentativa anterior de viver na Austrália, portanto, posso mesmo dizer que tô com sorte, muita sorte.
However, temo que eu ainda não seja uma cliente VIP. E queria saber quantas milhas faltam pra alcançar esse status...
Pois bem, segue então a apuração parcial das pedras no meu caminho:
* Trabalhar 16 horas e na saída encontrar minha bicicleta sem banco. Sim, roubaram o banco da bicicleta mais feia e capenga de Londres, me fazendo pedalar em pé por aproximadamente 40 minutos.
* Trabalhar 16 horas e na saída encontrar o mundo caindo, chegando em casa encharcada e adquirindo uma gripe crônica. Fato rotineiro, diga-se de passagem.
* Perder bolsa contendo celular, câmera, iPod, passaporte, pílulas e cartão, em pleno Soho, durante uma noite que tinha tudo para ser perfeita. Pra pessoa que achou a bolsa, deve ter sido uma noite sensacional mesmo.
* Descobrir que a renovação de passaporte roubado custa 128 libras no Consulado Brasileiro, e o re-carimbo do visto, 200, no Home Office.
* Ser convidada a me retirar da casa onde eu vivo, depois de 5 meses pagando aluguel igual ao da minha flatmate e ficando em um mini quarto, 3 vezes menor que o dela. Depois também de passar 3 semanas alimentando os gatos dela, limpando a sujeira deles e do ragazzo pra quem ela alugou o mega quarto, enquanto a própria curtia os trópicos.
* Procurar casa nova ensandecidamente, me deparando no mais das vezes com golpistas. Pra variar, quando não era golpe, era um landlord que subitamente ficou doente e não pode mais me mostrar a casa, depois de eu pedalar de Tufnell Park até Shepherds Bush só pra isso (northeast London to west London, coisa de 50 minutos. Já comentei que o frio chegou pra ficar? Pois.) Ou um quarto bom, bem localizado, onde subitamente se materializou um micro indiano, dizendo que morava ali e tinha desistido de se mudar.
Esses foram os acontecimentos mais marcantes, excluindo-se fatos corriqueiros como perder a chave do cadeado da bicicleta, esquecer a chave de casa ou ficar esperando mais de uma hora por amigos que ainda estão longe de adquirir a pontualidade britânica que já faz parte do meu ser.
Chego assim a um ponto muito curioso: é tanta coisa dando errado, porém todas as células do meu corpo resolvem ficar inexplicavelmente otimistas! Confesso que um setor muito importante da vida vai muito bem, melhor do que nunca, e isso ajuda bastante. Talvez por isso o desânimo em relação a todo o resto vá dando lugar a um sentimento do tipo: "ok, acho que não tem como ficar muito pior do que isso, então daqui pra frente, a tendência é melhorar." (Maneira de falar, eu sei que tem, sim, como piorar. Sempre tem. Não me leve tão a sério, anjo, nem eu mesma me levo...)
Minha mãe diz que esses contratempos são formas de manter afastados dramas maiores. Eu oscilo entre teses de olho-gordo, carma ou encosto, mesmo. Seja o que for, já deu. Quem me lê e gosta de mim, por favor, faça uma oração, simpatia ou coisa do gênero. Se alguém algum dia sentiu inveja (inveja do mal), livre-se desse sentimento ao constatar que minha vida tá longe de ser um mar de rosas. E pras pessoas que moram no meu coração e também vêm passando pela urucubaca mais longa e insistente já vista, CORAGEM! Tudo há de melhorar.