quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

done and dusted

Pois então, me formei. Findos os 9 meses de curso, tô revendo a idéia de que passou voando. Desde que cheguei aqui tive três endereços, trabalhei em quatro lugares diferentes, fiquei unha e carne com pessoas que eu nunca tinha visto, me afastei de pessoas de quem eu era muito próxima, senti muitas saudades da minha mãe, recebi a visita dela e voltei a morrer de saudades, e as saudades que eu sinto de quem não veio eu nem comento mais... Cortes, queimaduras, longas horas na cozinha, sapos engolidos, sucessos saboreados, restaurantes visitados e eternamente gravados na minha memória gustativa. Chefs que me inspiraram, me ensinaram a ver essa profissão com a devida seriedade e sem prejuízo da poesia, me tornaram ávida por feedback e aprimoramento e me mostraram que it's a long way to the top if you wanna rock and roll... but it's so much worth it! Museus, parques, mercados, pubs, caminhos, sol, calor, frio, neve. E me permitam a pieguice, mas sim: amor. Amigos que partiram ontem e que hoje já fazem a cidade parecer deserta. Aquelas pessoas pras quais a gente liga a qualquer hora e combina qualquer programa. Aquelas com quem mesmo as roubadas são divertidas e a roda na qual a conversa sempre vai girar em torno de sexo, álcool, drogas ou comida, porque a gente está mesmo à vontade, e seria um desperdício comentar o wikileaks ou o casamento do príncipe quando há margem pra tanta baixaria. E amor por aquele com quem eu hoje faço planos e que me dá uma das poucas certezas que eu tenho nessa vida: não sei pra que lugar, nem por quanto tempo, mas sei que vamos juntos.
Não sei se haverá um novo post tasting like london, mas mesmo que haja, é aqui que eu deixo registrada minha alegria pelo ano que passou, por tudo que eu vivi, meu amor por essa cidade, minha empolgação por estar em breve voltando pra casa e minhas boas vindas a 2011.
Esse blog foi criado pra contar pras pessoas no Brasil sobre a minha vida aqui. Em 2011, não estarei em Londres, mas seguirei escrevendo. Não sei se em inglês ou português, já que agora tem um povo que não fala português com quem eu quero manter contato, mas assim que definir, publico aqui.
Feliz Natal e um 2011 espetacular!
Mari

Columbia Market

O mercado de flores aos domingos é um dos principais motivos pra eu ser tão apaixonada pelo meu novo postal code. A Columbia Road, que durante a semana é um marasmo, nas manhãs de domingo se enche de cor e som. Flores lindas, barulho de feira, pessoas coloridas, bandas, e todas as lojas abertas. Nelas, vende-se arte, chapéus sob medida, bagels, maquiagem cor-de-rosa, mais arte, bugigangas de cozinha, decoração bem bolada, cupcakes, ostras... you name it. É meu primeiro destino quando acordo.













domingo, 5 de dezembro de 2010

tragópolis

Os hábitos etílicos adquiridos durante um ano de vida londrina trazem a conclusão de que até o alcoolismo é relativo. Dos meus colegas de Cordon Bleu, escuto sempre que em seus países de origem eles certamente teriam um "drinking problem" se bebessem na mesma medida em que bebem aqui. De fato, depois da escola, o pub é o cenário mais frequente da nossa rotina, e o fato de escurecer às 4 e meia da tarde serve como incentivo à abertura dos trabalhos em um horário cada vez mais prematuro. Não que os pints e shots só estejam liberados depois do pôr do sol, muito antes o contrário: quando o horário da escola mudou, lá por junho, passamos a terminar a primeira aula por volta das 11 da manhã. E o Angel on the Fields, que até então abria suas portas a partir do meio dia, passou a funcionar uma hora mais cedo.
Que o pub é uma instituição inglesa não é novidade. Curioso é perceber como esse ambiente tipicamente inglês, depois de 9 meses, fica entranhado de tal maneira em almas das mais variadas procedências. De modo que é bem possível que quando eu voltar a pisar em Tuims, Odeons e Jobis Brasil afora, eu sinta nostalgia das cortinas de veludo e da cerveja que de tão boa, pode até ser meio morna, quem se importa? Certamente estranharei quando um garçom vier tirar meu pedido na mesa. Aqui, se eu sentasse em uma mesa a espera de serviço, morreria de sede, certeza.
O sarcasmo dos bartenders combinado com a estranha sociabilidade que se apossa dos bebuns locais torna o balcão o local mais interessante de todo o ecossistema. É fantástica a mistura de polidez com cara de pau do rapaz que religiosamente vê chegarem ali caras sóbrias e até sisudas e as embebeda até que não haja sinal de dignidade no recinto. No balcão do pub, a reserva e frieza constante dos ingleses dá lugar a conversas livremente iniciadas com estranhos, pontuadas por piadas auto-depreciativas, flertes gonzos e piadas involuntárias. Saudades antecipadas ao pensar na média dos diálogos até hoje entabulados em noites tupiniquins...
Mas ainda que nos pubs a cerveja seja a vedete, os fígados ingleses não se limitam a ela. Eles podem mais, e a sede vai muito além. Pra se ter uma idéia, a London International Wine Fair, que acontece aqui anualmente, é tida como o mais importante evento no calendário internacional de vinhos e destilados. A cidade é a maior importadora na Europa de bebidas de todas as origens, e para os apreciadores alguns endereços específicos equivalem a uma espécie de EnoDisney. Para os leigos interessados, nesses mesmos locais é possível aprender um bocado sobre o universo vinícola.
Me enquadro no segundo grupo, e ontem resolvi me instruir um pouquinho na Vinopolis. Sendo frequentadora habitual do Borough Market, há meses que passava por ali e espichava o olho. Há algumas semanas, minha colega Lauren (Zilahy, guardem esse nome, em breve no olimpo dos chefs de New York) deu a idéia de fazermos um tour por lá, e eu aderi instantaneamente, por óbvio. Existem várias modalidades de tasting tours, nós fomos de Spirit of Vinopolis, que compreendia: uma sessão de "como degustar vinhos" (pulamos essa, já que aprendemos o be-a-bá da degustação na escola); 6 provas de "regulas wines" (não inclui premium wines,  os de classificação premier cru e grand cru); 2 provas de whisky (Chivas, 12 e 18 anos); 2 de rum (Doorly´s e Añejo); 1 coquetel de Bombay Sapphire (tomei um cosmopolitan com gosto de Clight sabor pomelo rosado, blergh); 2 de cervejas cujo nome eu esqueci (e não merecem ser lembradas mesmo) e 2 de absinto. Abdiquei de um dos absintos antes de abdicar da elegância, já que não tinha feito uma refeição decente durante o dia. Na verdade, teria abdicado de runs, whiskies, cervejas e gin, em favor dos vinhos premium. Vinho é a alma do negócio ali, e as degustações da bebida eram em um nível muito mais elevado do que o restante.
As garrafas, separadas por país de origem, exibiam uma etiqueta informando uva, nome do produtor, método de produção, características do terroir e aspectos de sabor, tanicidade e harmonização de cada um. No setor do Velho Mundo, vinhos gregos e búlgaros eram exibidos lado a lado com os tradicionais franceses, italianos, espanhóis e portugueses. Experimentei um grego, de uma região chamada Nemea, a uva era Agiorgitiko. Interessante, encorpado mas sem saber a carvalho, tinha um sabor intenso e ao mesmo tempo suave (não suave doce, vade retro!), de cor bem escura. Outra novidade, pra mim, foi um branco italiano feito a partir da uva Verdicchio. Extremamente jovem e fresco, achei meio sem graça. Mas aprendi que os Verdicchio, dependendo da safra e do método de produção, podem ser envelhecidos por até 10 anos, e fiquei curiosa pela bebida resultante desse envelhecimento. No Novo Mundo, a seleção de vinhos Australianos, Neo Zelandeses e Sul Africanos era bem diversificada, e eu gostei do que experimentei ali, especialmente um pinotage da África do Sul.
Não tomei notas e me arrependo um pouco. Talvez volte lá sozinha, com companhia fica difícil anotar tudo num bloquinho. Principalmente se a companhia sabe um pouco sobre o assunto: preferi ficar ouvindo minha amiga falar sobre os vinhos biodinâmicos e aprender mais um tanto. Pena que lá não havia nenhum pra gente provar. Pelo menos nenhum americano, já que muitos produtores europeus são biodinâmicos sem se rotularem como tais. A verdade é que o canto reservado às Américas foi a única parte que deixou a desejar, com um único produtor dos EUA e uma seleção nada empolgante de vinhos brasileiros. Um Malbec argentino defendeu bravamente o continente, em compensação.
Evidente que eu não chego nem perto de uma conoisseur, mas sou uma leiga curiosa e saí de lá decidida a voltar mais vezes. Não sei se vai dar tempo, já que vai se aproximando a data de partida, mas recomendo Vinopolis a quem vier pra Londres e gostar de comer e beber bem. A localização é perfeita, grudada no mercado sensacional de que eu já falei aqui algumas vezes, na beira do Tâmisa.
Mesmo que eu não faça um novo tour nos próximos tempos, a cidade está cheia de lugares onde se podem experimentar vinhos de qualidade, e de forma bem democrática (leia-se: não pagando absurdos em restaurantes estrelados). Escrevo isso e me vem à mente o Gordon's Wine Bar, entre as estações de Charing Cross e Embankment. Com uma fachada quase que imperceptível, o lugar é muito pitoresco e acolhedor, com paredes de madeira cobertas por recortes de jornais históricos e um porão de pé direito baixo, entre  claustrofóbico e romântico, com as mesas iluminadas por velas. Alguns vinhos são servidos direto do barril (Porto, Jerez, Madeira) e a carta toda é bem selecionada e acessível. Os funcionários são jovens, bem humorados e gentis, tem mesas na rua, e pra quem sentir fome, queijos deliciosos, conservas e patês que por si só já valeriam a visita. O único problema é que fecha cedo, como quase tudo na cidade. Ontem, por exemplo, chegamos lá e mal abrimos a 1ª garrafa, fomos convidados a nos retirar, antes das 11 da noite...
Partimos pra Brick Lane, e encerramos a noite com o much longed for Mojito fishbowl. Sim, depois de tanto álcool de fina estirpe, o que a gente queria mesmo era uma quantidade colossal de rum, limão, hortelã, açúcar e gelo, em meio aos freaks costumeiros de east London. Caminhei feliz e sutilmente ébria pra casa, e graças à frequência de orgias etílicas por aqui, meu domingo ensolarado foi livre de ressaca!

P.S.: como analfa tecnológica que sou, não consigo transplantar as fotos do meu iphone pro computador. Meu técnico/namorado chega em breve e resolve essa falha de sinapse. Boa noite e volte sempre.