terça-feira, 8 de junho de 2010

disastééér

Essa é a palavra que os chefs na escola usam quando querem descrever uma receita mal executada, com ênfase no e pra não deixar dúvidas: são, de fato, franceses. E como são. Em uma das primeiras aulas práticas, quando salguei demais um prato que nem lembro mais qual era, chef Laurent me perguntou: are you in love, mademoiselle? Minhas bochechas, naturalmente coradas e já rosadas pelo calor da cozinha, ficaram instantaneamente como um steak cuit à bleu. A explicação foi que na França, costuma-se dizer que quando um cozinheiro erra a mão, é porque está amando.
Simpatizei com a analogia, não esperava ouvir esse tipo de tese dentro da escola. Mas devo dizer que ela se confirma pra mim a todo momento, de uma certa forma. Não com a paixão exatamente. A paixão me deixa desperta, cheia de energia, até mais ágil. Mas alguns estados de espírito mais negativos interferem diretamente na minha performance.
Nos últimos dias, uma nuvenzinha negra insistiu em estacionar sobre a minha cabeça. E meus pensamentos todos se voltaram pros raios e trovões que vêm dali. Resultado: meu bérnaise desandou; meu timbale desmoronou e meu crème caramel levou sal, no lugar de açúcar. Ou seja, disastééér!
Este é um post-oração, portanto: papai do céu, varre essa nuvem pra bem longe, que amanhã de manhã é minha prova teórica final. Preciso dos meus neurônios em forma!

segunda-feira, 7 de junho de 2010

it´s a new dawn, it´s a new day, it´s a new life

A vida em Londres pode ser bem dinâmica. Em um dia, pode-se estar morando no gueto, dividindo quarto em uma casa onde moram outras 9 pessoas e passando um tempo considerável debaixo da terra, na interminável Piccadilly Line. No dia seguinte, você pode se tornar a feliz proprietária de um quarto exclusivo, morando com uma - e apenas uma - pessoa, em uma casa (com jardim!) em Tufnell Park, zunindo pela cidade sobre uma bicicleta que chega à escola em meros 15 minutos! Sim, um belo dia resolvi mudar, e foi assim, de uma hora pra outra. Desde que cheguei aqui, tenho me jogado nas oportunidades sem muita hesitação, e minha casa nova foi dessas coisas que aparecem com a mesma frequência do cometa Halley.
Minha colega - e agora amigona - Rossella andava à cata de um flatmate, e só batia freak na porta dela. Eu adoraria me candidatar, mas com o salário do restaurante seria absolutamente inviável. Foi então que comecei a mexer meus pauzinhos. Primeiro: precisava ganhar melhor. Não só pra me mudar, mas pra poder viajar de vez em quando, comer em restaurantes legais eventualmente e coisital. Agendei dois trials, um em uma agência de catering staff e outro em um super restaurante onde trabalha um amigo meu. O fato é que a agência, nesse momento, me pareceu a opção mais atraente. Tenho minhas provas, a festa de formatura da escola, uma viagem agendada e minha mãe chegando no final do mês. Com os horários do restaurante, teria que sacrificar alguma dessas programações, senão todas. A flexibilidade de horários da agência me livra desse problema. Não é mais aquele aprendizado de um fine dining restaurant, mas é perfeito pra esse momento específico.
Comecei na quinta e trabalhei o final de semana inteiro, um dia na cozinha da agência e nos outros em um restaurante próximo à London Bridge. A cozinha gigante de uma super catering company não deixa de ser didática: impressionam os volumes, a quantidade de gente, o tamanho dos estoques, e principalmente, a organização. Além disso, o trabalho exige que por vezes se desempenhe a mesma tarefa por horas a fio. O que pode ser monótono, mas também pode ser uma chance de aprimorar certas técnicas, ou em último caso, um momento de meditação. As tarefas mais simples permitem que se escute música durante o expediente, e o chef-dj na quinta-feira andava inspirado. É possível também conversar com os colegas na tábua ao lado, e conheci só cozinheiros boa-praça nesse dia. Ou seja, gostei bastante, ainda que tenha ficado um trapo no final do dia.
De sexta até hoje trabalhei em um restaurante/galeria de arte chamado Delfina, na Bermondsey Street. A área é cheia de galerias, ateliês e recantos alternativos e inspiradores. O trabalho envolvia preparação pra um casamento, e o menu era bem straightforward, legal de trabalhar: risoto de beterraba e mascarpone; couscous marroquino; frango assado marinado com canela; cogumelos portobello com queijo halloumi grelhado; rice noodles ao molho de gengibre... tranqüilo, no big deal. Mais uma vez, trabalhando com pessoas do bem, uma ótima atmosfera. Além de poder passar o break comendo minha saladinha de frutas de frente pra London Bridge.
Depois de tantas horas na cozinha, precisava encerrar meu domingo com algum programa bem girlie. E lá fui eu rumo ao Westfield assistir a Sex and the City com  a Tati. O Westfield é um shopping megalomaníaco daqui, uma coisa de louco. Imenso, cheio de lojas imensas, e coloridas, e abarrotadas de gente. Fiquei até tonta com tanta informação. Não sou muito chegada a shopping, em lugar nenhum. Acho aquele monte de lojas enfileiradas uma superexploração visual, sinto como se ali dentro as pessoas fossem obrigadas a consumir - pra qualquer lado que se olhe, haverá alguém tentando te vender alguma coisa. Esse shopping superlativo causou em mim as mesmas impressões, em muito maior escala. Porque além das minhas implicâncias... pô, nada a ver com Londres! Aqui é a cidade das lojas one of a kind, das portinhas e vitrines discretas de Covent Garden, das ruelas cheias de charme a la St. Cristopher´s Place, das feiras vintage, do charme das High Streets. Pra encontrar de tudo em um só lugar e aproveitar pra escapar da chuva? Selfridges, Harrods e afins estão aí, hipercompletas e glamourosas. Shopping center? Blah...
Mas olha eu fazendo um manifesto anti-consumista e indo assistir a Carrie, Samantha, Miranda e Charlotte em duas horas de fabulosidade absoluta! Adorei, era bem o que eu precisava: uma história besta com figurinos e locações de babar! O elenco masculino também não deixou nadinha a desejar, btw.
Luzes acesas, reencontrei meus dedos calejados, unhas curtinhas, sapato baixo pra encarar a pernada da estação até a minha casa, e tomei o rumo do tube. E no trem eu sempre fico reflexiva, principalmente se não é dia em que circula o Evening Standard. Me lembrei das palavras da minha amiga/housemate, dizendo que pensando em mim, ela concluiu: she´s having the time of her life! Vinte e quatro anos, solta em Londres, estudando na Le Cordon Bleu, uau! E ali, paradinha no vagão by myself, depois de 4 dias de trabalho pesado e alguns sapos engolidos, concordei com ela. Depois de passar alguns momentos no mundo fantástico da tela de cinema, voltei faceira pro meu mundo real. Não saltitava, é verdade, mas tinha uma sensação very pleasant, indeed. O corpo cansado de trabalhar, a caminhada sozinha pela vizinhança adormecida, minha casa, meu quarto, os gatos. Minha amiga chegando e preparando um chá, conversando sobre o dia e oferecendo um abraço quando um e-mail do Brasil me fez desatar a chorar. E hoje pedalar até a escola, surtar em grupo com a prova que tá chegando, ajudar um colega a tirar a pele do filé de peixe, até desandar meu bérnaise, são as coisas que fazem os meus dias tão reais e tão meus. Tão longos também! Hoje adiei os estudos pra dar uma passada rápida por aqui, agora não posso mais adiar o sono, já que amanhã preciso enfiar a cara nos livros e anotações. Fotos, em seguida. E resolução de end of term: posts mais frequentes. Viajo em um nível diariamente, que sempre que fico muito tempo sem escrever, parece que me esqueci de um monte de coisas... Bonne nuit!