sexta-feira, 10 de setembro de 2010

luto e reflexão

No final do já distante 2008, freqüentando o curso de gastronomia da unisinos, cada aluno deveria apresentar um trabalho sobre determinada região do Brasil, falando sobre pratos típicos, ingredientes regionais, chefs expoentes e um pouco da história e geografia local. Escolhi o Pará, sem pestanejar. Naquele meu 1º ano de envolvimento acadêmico com a gastronomia, a ascensão dos ingredientes nacionais era dos temas que mais me fascinavam. Alex Atala, Ana Luiza Trajano, Claude Troisgros e muitos outros nomes já vinham apresentando matéria prima genuinamente brasileira em pratos de apresentação impecável e sabor surpreendente. Procurando entender melhor esse movimento de valorização dos nossos produtos, cheguei ao nome do chef Paulo Martins.
Arquiteto por formação, cozinheiro por paixão, Paulo Martins teve o mérito de posicionar ingredientes como jambu, tucupi, tucunaré e tantas outras preciosidades amazônicas em cardápios glamourosos do eixo Rio-São Paulo, a partir da cozinha do Lá em Casa, seu restuarante em Belém. Comandou o Festival Ver-o-Peso da Cozinha Paraense, descortinou a Amazônia para Adriá e foi um embaixador aguerrido da culinária brasileira. Pesquisar sobre a trajetória deste homem no início da minha caminhada gastronômica foi muito inspirador. Receber a notícia do seu falecimento, ontem, foi muito triste e fez pensar. Não deixa de ser uma infeliz e curiosa coincidência, dado o momento que eu vivo agora, já pincelado no último post.
Quando optei pela gastronomia, só enxergava o futuro na frente do fogão. Não me passava pela cabeça abraçar a pesquisa acadêmica da alimentação, talvez porque depois de anos de formação jurídica eu estivesse farta de teoria e só pensasse em partir pra prática. Cansada de papel, prazos e processos arrastados, eu queria trabalhar com produção e resultados mais rápidos, e a idéia de tudo o que acontecia em uma cozinha no espaço de um dia me fascinava: do silêncio e limpeza no início do dia, passando pelo mise en place e a correria do serviço, até o retorno ao estado inicial no apagar das luzes, já no início da madrugada.
Hoje percebo que talvez essa nova trajetória estivesse cozinhando em fogo baixo desde o princípio.
Do meu trabalho em 2008 ficou uma vontade de me aprofundar no tema dos produtos regionais, e no ano seguinte surgiu a oportunidade pra isso. Era meu último ano como estudante de direito, e antes de pegar o canudo e vir-me embora cozinhar sossegada, eu devia apresentar meu TCC. Ciente de que qualquer tema jurídico clássico equivaleria a procrastinação, mediocridade e possivelmente reprovação por minha parte, fui meio inconseqüente e decidi tratar de comida. Sim, comida no direito. E nada mais apropriado do que um jurista-gourmet francês pra deixar bem clara a íntima relação que pode existir entre esses dois universos, à primeira vista tão distantes. Depois de ler o livro Droit et Gastronomie, de Jean-Paul Branlard, tratando sobre as appellations d´origine, pensei com meus botões que a questão, aplicada aos produtos nacionais, poderia dar muito pano pra manga. Daí pra frente foi-se um ano de pesquisas, dificultadas pela pouca atenção dedicada ao tema até o momento. Tive a sorte de escolher como orientador - e ser aceita por ele como orientanda - um professor aberto e interessado, Fábio Morosini, que deu a maior força na minha empreitada. E aprendi muito sobre o instituto das indicações geográficas, seu surgimento na Europa, sua proteção na OMC. A ponto de me convencer de que muitos alimentos ao redor do globo fariam jus ao mesmo tipo de proteção, sendo o Brasil um país a se beneficiar - e muito - caso seus produtos gozassem de mais status no cenário internacional.
E aí voltei ao ponto de partida: a obtenção de proteção depende de um processo longo de demonstração do valor de determinado produto, de sua importância cultural para a região de onde provém, e isso depende de muito empenho. Empenho como o de Paulo Martins, um pioneiro em mostrar como nós brasileiros devemos nos orgulhar tanto do pato ao tucupi, quanto um provençal se orgulha da bouillabaisse.
Pra minha surpresa, no final do curso, descobri que a pesquisa acadêmica poderia ser muito prazerosa e produtiva. Feliz com a minha nota, guardei meu trabalho e considerei aquele um ótimo fechamento de etapa. Não pensei em como daria continuidade à minha pesquisa, meu foco era Londres, Cordon Bleu e tudo o que vem acontecendo por aqui.
Ultimamente, como eu escrevi antes, venho me questionando sobre o rumo que essa opção de vida vai tomar. E a triste notícia recebida ontem contribuiu em muito para as conclusões que vêm sendo tiradas.
A ver.
Que a energia de Paulo Martins siga viva em suas sucessoras, e que ele possa ver, desde algum lugar desse universo, a costela de tambaqui no cardápio de restaurante com estrela michelin!

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

and it´s kind of bittersweet

Ontem minha mãe me lembrou de que eu tinha um blog. Sério, eu tinha esquecido completamente. Vim refrescar a memória por aqui e me dei conta de que o último texto datava do início do 2nd term na Cordon Bleu. E eis que agora, o intermediate cuisine está nos seus últimos lances, e eu passei esse tempo todo sem divagar nesse canal. Por pura falta de tempo. Mas como me fez falta a escrita em tantos momentos intensos dos últimos 3 meses...
Pois bem, comecei a trabalhar em um restaurante sensacional: Viajante, do chef português Nuno Mendes. Tô no pastry, aprendendo muito e dedicando quase todas as minhas horas - e forças - à cozinha. O cardápio é moderno, e como o nome do restaurante sugere, reúne influências das várias andanças do chef pelo mundo. É um lugar novo, abriu no início deste ano, fica em uma região inusitada/moderninha aqui de Londres (Bethnal Green), dentro de um design hotel que cotumava ser o town hall. A experiência tem sido intensa e reveladora. Comecei trabalhando em todos os dias em que não tinha aula. Se tivesse aula das 8 às 11, ia pra lá depois e só saía depois da 1 da manhã. Pedalando, muitas vezes na chuva, dormindo uma média de 4 horas por noite... aprendendo muito, mas também fazendo várias cagadinhas que andavam acabando com a minha já minguada autoconfiança. Semana passada, próxima de um burnout, fui até o chef pedir as contas. Jurando que ele daria graças a Deus por se livrar dessa parva que vos escreve. O homem é um tipo sinistro: grita, exige, pressiona e mete medo. Falei pra ele que tava exausta, que não conseguia fazer um bom trabalho nem ali, nem na escola e que não me sentia capaz de continuar nesse ritmo. Ao que ele me surpreendeu com a proposta de trabalhar menos dias e ter um tempo pra mim, falando que eu só precisava ser mais atenta e que já me considerava parte da família. Um momento de ternura vindo de um brutamontes é das coisas mais comoventes que podem existir! Adorei a idéia, e óbvio que aceitei, me sentindo reconhecida e um pouco mais tranquila - sim, porque até então andava sempre tensa na cozinha, em estado permanente de semi-pânico.
Essa semana já tô trabalhando menos, recuperando horas de sono e sinceramente, estranhando um pouco a quantidade de tempo à minha disposição. Mas adorando poder estar em casa, ler, rever os conteúdos do trimestre (amanhã já tem exame final escrito, e semana que vem, prova prática). E também ruminando muito essas minhas impressões sobre a rotina na cozinha... ali, em um restaurante bacanérrimo, trabalham-se em média 14 horas por dia. Nesses dias sem folga, meu sono, minha alimentação, meus cuidados pessoais, tudo isso foi completamente desregrado, e o desgaste físico é imenso. Perdi a conta de quantas vezes meus olhos se fecharam durante as demos na escola e não conseguia fazer mais nada, desde arrumar meu quarto a abrir meus e-mails, que dirá escrever! Lógico que a parte boa faz valer a pena, e acredito mesmo que o real aprendizado na cozinha só vem dessa forma. Mas me questiono, porque sei que não pretendo levar uma vida tão sacrificada por muito tempo. E sempre acreditei que um bom chef deve ter total controle e conhecimento sobre sua cozinha, de modo que essa não é uma das profissões em que com o tempo, a coisa fica mais relaxada e as horas de trabalho mais flexíveis - pelo contrário.
Por outro lado, sinto falta de estudar, pesquisar, escrever e entrar na parte mais acadêmica da alimentação. Conhecer e falar sobre lugares, diversificar meus ambientes de troca e convívio, me aprofundar na culinária francesa - que é o que eu vim aqui aprender... quero fazer tudo isso. A cozinha me fascina, e quero me manter dentro dela, mas a idéia de dedicação exclusiva não me agrada tanto. Até mesmo pelo sinal claro que meu corpo me deu há alguns anos quanto à sobrecarga e ao stress. Quero qualidade de vida!
A área que eu escolhi fascina pela gama de opções que oferece, e ter esse insight não altera em nada minha paixão pela comida, pela cozinha e pela vida nesse universo. Só me faz abrir os olhos pra outras possibilidades, e neste momento meus dedos coçam pra escrever sobre meus planos pra 2011. Mas vou me reservar quanto a isso, esperar as peças se encaixarem.
No balanço geral, posso dizer que com essa folga extra que ganhei, fico em paz, feliz e com tempo pra definir os próximos passos.
E no mais, a vida segue muito bem: paz no lar, depois de algumas rusgas com a minha roomie; coração alegre e saltitante; e a vida escolar cada vez mais interessante. Agora em setembro tenho férias bem longas, nas quais devo trabalhar mais, e se tudo correr bem, em outubro começa a etapa final do curso. Nem dá pra acreditar em como o tempo tá voando e as coisas acontecendo em uma velocidade absurda!
Vou dormir agora, pra chegar bem à minha prova amanhã de manhã. Wish me luck!
(Saudades dos pedaços de mim espalhados por esse mundo)