domingo, 5 de dezembro de 2010

tragópolis

Os hábitos etílicos adquiridos durante um ano de vida londrina trazem a conclusão de que até o alcoolismo é relativo. Dos meus colegas de Cordon Bleu, escuto sempre que em seus países de origem eles certamente teriam um "drinking problem" se bebessem na mesma medida em que bebem aqui. De fato, depois da escola, o pub é o cenário mais frequente da nossa rotina, e o fato de escurecer às 4 e meia da tarde serve como incentivo à abertura dos trabalhos em um horário cada vez mais prematuro. Não que os pints e shots só estejam liberados depois do pôr do sol, muito antes o contrário: quando o horário da escola mudou, lá por junho, passamos a terminar a primeira aula por volta das 11 da manhã. E o Angel on the Fields, que até então abria suas portas a partir do meio dia, passou a funcionar uma hora mais cedo.
Que o pub é uma instituição inglesa não é novidade. Curioso é perceber como esse ambiente tipicamente inglês, depois de 9 meses, fica entranhado de tal maneira em almas das mais variadas procedências. De modo que é bem possível que quando eu voltar a pisar em Tuims, Odeons e Jobis Brasil afora, eu sinta nostalgia das cortinas de veludo e da cerveja que de tão boa, pode até ser meio morna, quem se importa? Certamente estranharei quando um garçom vier tirar meu pedido na mesa. Aqui, se eu sentasse em uma mesa a espera de serviço, morreria de sede, certeza.
O sarcasmo dos bartenders combinado com a estranha sociabilidade que se apossa dos bebuns locais torna o balcão o local mais interessante de todo o ecossistema. É fantástica a mistura de polidez com cara de pau do rapaz que religiosamente vê chegarem ali caras sóbrias e até sisudas e as embebeda até que não haja sinal de dignidade no recinto. No balcão do pub, a reserva e frieza constante dos ingleses dá lugar a conversas livremente iniciadas com estranhos, pontuadas por piadas auto-depreciativas, flertes gonzos e piadas involuntárias. Saudades antecipadas ao pensar na média dos diálogos até hoje entabulados em noites tupiniquins...
Mas ainda que nos pubs a cerveja seja a vedete, os fígados ingleses não se limitam a ela. Eles podem mais, e a sede vai muito além. Pra se ter uma idéia, a London International Wine Fair, que acontece aqui anualmente, é tida como o mais importante evento no calendário internacional de vinhos e destilados. A cidade é a maior importadora na Europa de bebidas de todas as origens, e para os apreciadores alguns endereços específicos equivalem a uma espécie de EnoDisney. Para os leigos interessados, nesses mesmos locais é possível aprender um bocado sobre o universo vinícola.
Me enquadro no segundo grupo, e ontem resolvi me instruir um pouquinho na Vinopolis. Sendo frequentadora habitual do Borough Market, há meses que passava por ali e espichava o olho. Há algumas semanas, minha colega Lauren (Zilahy, guardem esse nome, em breve no olimpo dos chefs de New York) deu a idéia de fazermos um tour por lá, e eu aderi instantaneamente, por óbvio. Existem várias modalidades de tasting tours, nós fomos de Spirit of Vinopolis, que compreendia: uma sessão de "como degustar vinhos" (pulamos essa, já que aprendemos o be-a-bá da degustação na escola); 6 provas de "regulas wines" (não inclui premium wines,  os de classificação premier cru e grand cru); 2 provas de whisky (Chivas, 12 e 18 anos); 2 de rum (Doorly´s e Añejo); 1 coquetel de Bombay Sapphire (tomei um cosmopolitan com gosto de Clight sabor pomelo rosado, blergh); 2 de cervejas cujo nome eu esqueci (e não merecem ser lembradas mesmo) e 2 de absinto. Abdiquei de um dos absintos antes de abdicar da elegância, já que não tinha feito uma refeição decente durante o dia. Na verdade, teria abdicado de runs, whiskies, cervejas e gin, em favor dos vinhos premium. Vinho é a alma do negócio ali, e as degustações da bebida eram em um nível muito mais elevado do que o restante.
As garrafas, separadas por país de origem, exibiam uma etiqueta informando uva, nome do produtor, método de produção, características do terroir e aspectos de sabor, tanicidade e harmonização de cada um. No setor do Velho Mundo, vinhos gregos e búlgaros eram exibidos lado a lado com os tradicionais franceses, italianos, espanhóis e portugueses. Experimentei um grego, de uma região chamada Nemea, a uva era Agiorgitiko. Interessante, encorpado mas sem saber a carvalho, tinha um sabor intenso e ao mesmo tempo suave (não suave doce, vade retro!), de cor bem escura. Outra novidade, pra mim, foi um branco italiano feito a partir da uva Verdicchio. Extremamente jovem e fresco, achei meio sem graça. Mas aprendi que os Verdicchio, dependendo da safra e do método de produção, podem ser envelhecidos por até 10 anos, e fiquei curiosa pela bebida resultante desse envelhecimento. No Novo Mundo, a seleção de vinhos Australianos, Neo Zelandeses e Sul Africanos era bem diversificada, e eu gostei do que experimentei ali, especialmente um pinotage da África do Sul.
Não tomei notas e me arrependo um pouco. Talvez volte lá sozinha, com companhia fica difícil anotar tudo num bloquinho. Principalmente se a companhia sabe um pouco sobre o assunto: preferi ficar ouvindo minha amiga falar sobre os vinhos biodinâmicos e aprender mais um tanto. Pena que lá não havia nenhum pra gente provar. Pelo menos nenhum americano, já que muitos produtores europeus são biodinâmicos sem se rotularem como tais. A verdade é que o canto reservado às Américas foi a única parte que deixou a desejar, com um único produtor dos EUA e uma seleção nada empolgante de vinhos brasileiros. Um Malbec argentino defendeu bravamente o continente, em compensação.
Evidente que eu não chego nem perto de uma conoisseur, mas sou uma leiga curiosa e saí de lá decidida a voltar mais vezes. Não sei se vai dar tempo, já que vai se aproximando a data de partida, mas recomendo Vinopolis a quem vier pra Londres e gostar de comer e beber bem. A localização é perfeita, grudada no mercado sensacional de que eu já falei aqui algumas vezes, na beira do Tâmisa.
Mesmo que eu não faça um novo tour nos próximos tempos, a cidade está cheia de lugares onde se podem experimentar vinhos de qualidade, e de forma bem democrática (leia-se: não pagando absurdos em restaurantes estrelados). Escrevo isso e me vem à mente o Gordon's Wine Bar, entre as estações de Charing Cross e Embankment. Com uma fachada quase que imperceptível, o lugar é muito pitoresco e acolhedor, com paredes de madeira cobertas por recortes de jornais históricos e um porão de pé direito baixo, entre  claustrofóbico e romântico, com as mesas iluminadas por velas. Alguns vinhos são servidos direto do barril (Porto, Jerez, Madeira) e a carta toda é bem selecionada e acessível. Os funcionários são jovens, bem humorados e gentis, tem mesas na rua, e pra quem sentir fome, queijos deliciosos, conservas e patês que por si só já valeriam a visita. O único problema é que fecha cedo, como quase tudo na cidade. Ontem, por exemplo, chegamos lá e mal abrimos a 1ª garrafa, fomos convidados a nos retirar, antes das 11 da noite...
Partimos pra Brick Lane, e encerramos a noite com o much longed for Mojito fishbowl. Sim, depois de tanto álcool de fina estirpe, o que a gente queria mesmo era uma quantidade colossal de rum, limão, hortelã, açúcar e gelo, em meio aos freaks costumeiros de east London. Caminhei feliz e sutilmente ébria pra casa, e graças à frequência de orgias etílicas por aqui, meu domingo ensolarado foi livre de ressaca!

P.S.: como analfa tecnológica que sou, não consigo transplantar as fotos do meu iphone pro computador. Meu técnico/namorado chega em breve e resolve essa falha de sinapse. Boa noite e volte sempre.

6 comentários:

  1. Olá, estava dando um google sobre pessoas que contavam um pouco da experiência sobre a Le Cordon Bleu e achei seu blog. Gostei muito dos seus relatos...
    Escrevo, porque agora em janeiro estou indo para Londres fazer Le Cordon Bleu, o diploma de Cousine. Se puder me ajudar gostaria de algumas dicas... Vc trabalhou em algum lugar? Conseguiu pela escola ou por fora? Onde vc mora em Londres? Como conseguiu alugar o ap? ai qtas perguntas...desculpe...é que estou tão animada pra ir e com tantas dúvidas..rsrs
    Boa volta ao Brasil!
    bjos

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  2. Oi, Fabíola!
    Que legal que tu estás vindo! Imagino tua animação, 9 meses atrás era eu quem estava assim. E a experiência corresponde - eu diria até que supera - às expectativas. Quanto às tuas perguntas: eu trabalhei quase que o tempo todo aqui, e sempre consegui os empregos por conta própria, usando de indicações de amigos ou mesmo batendo na porta dos restaurantes e me oferecendo pra fazer trial shifts. Os chefs da escola costumam indicar alunos para estágios em restaurantes com estrela michelin. Pouco ou não remunerados, mas ainda assim experiências super válidas. E no mural da escola sempre tem ofertas de empregos. Correndo atrás e querendo trabalhar de verdade, as vagas aparecem.
    Moradia: eu tô no meu 3° endereço aqui. Cheguei em uma casa compratilhada entre vários brasileiros, no norte, início da zona 3, mudei pra casa de uma colega, mais bem localizada e com mais privacidade e agora tô com meu namorado em Bethnal Green, east london, zona 2. A escola é em uma área super nobre e cara, então vale buscar lugares que sejam servidos pelas linhas central e jubilee em bairros não tão centrais, mas mais em conta. O metrô funciona bem durante a semana e a cidade tem várias áreas bacanas de morar. Te recomendo chegar aqui com um lugar garantido pros primeiros tempos e uma vez em Londres, escolher o que mais te agrada. Dividir com algum colega é uma boa opção, só é bom verificar antes se a pessoa não é psicopata ou algo do tipo... (Brincadeira, pero no mucho!)
    Se tu tiveres mais dúvidas, me manda teu e-mail eu eu te respondo com mais detalhes (não vou publicar, não te preocupa).
    Ah, e pode encher a mala de casacos, toucas e mantas, porque o frio não tá pra brincadeira!
    Beijo e obrigada por ler o blog!
    Mari

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  3. Oi Mari,
    Super obrigada pelas dicas!!! Eu fechei no primeiro mês uma residencia estudantil, achei mesmo melhor dps q estiver ai procurar algum ap pra morar e nao alugar pela internet, né?! Vc já vai voltar para o Brasil ou vai continuar em Londres?

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  4. Eu vou ficar em Londres mais um pouquinho, até a metade de fevereiro. E tu, chegas quando?

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  5. Oi Mari,
    cheguei em londres hoje!!! Adoraria te conhecer pra vc me contar um pouco sobre o curso da Cordon Bleu e sua experiência aqui em Londres...to na ansiedade total! Minha aula só começa dia 06. Vc toparia tomar um café??

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  6. Oi, Fabíola! Pode ser, sim, me manda teu telefone ou e-mail por aqui que a gente combina direitinho. And welcome to London!

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