sexta-feira, 16 de abril de 2010

Entre livros e panelas

Quando minha amiga Nati comentou, ali embaixo, sobre a livraria para cozinheiros de Notting Hill, pensei comigo: como ainda não postei nada sobre isso? É verdade que eu já tinha dado de cara com a porta da Books for Cooks uma vez, quando no 1º dia de aula fui até lá, cheia de esperança... pra descobrir que eles não abrem às segundas-feiras! Mas não tem nada, não: voltei na quinta, e aí sim, me banqueteei.
A casinha na Blenheim Crescent é o equivalente culinário da livraria para viajantes que o Hugh Grant tinha naquele filme que se passava nesse mesmo lugar: diminuta, mas muito completa e charmosa. Como o Hugh não estava atrás do balcão, credito o charme aos títulos que eu encontrei ali pelas prateleiras e ao café que funciona nos fundos. Além de sessões específicas para cada tipo de carne, molhos, culinária dos mais diversos países, livros de chefs, dicionários gastronômicos e outros quetais, me chamaram a atenção os espaços dedicados à história da alimentação e à literatura gastronômica. Desnecessário dizer que eu sou bem afeita tanto à escrita, quanto à comida. Sendo assim, na frente daquela estante encontrei companhia pra todas as minhas viagens pelo tube, além de ocupação a perder de vista pra minha mesinha de cabeceira.
Minha primeira aquisição foi o Guide Culinaire, de Auguste Escoffier, traduzido para o inglês. É um livro de receitas clássicas? É, mas dada a importância do autor, a linguagem por ele utilizada, e a tarefa à qual ele se propôs (sistematizar a cozinha) é também uma obra deliciosa de se ler. Virou meu companheiro de estudos: a cada semana, repasso com ele as aulas da LCB. (Nesses momentos também uso bastante o On Food and Cooking, de Harold McGee, indispensável pra todo cozinheiro que quer saber porque um prato é assim, assado, frito e cozido.)
Trouxe pra casa também um livro sobre Slow Food, escrito pelo fundador do movimento, Carlo Petrini, que eu ainda nem tive tempo de tirar da sacola, mas logo mais eu comento por aqui. E por fim uma autobiografia da Ruth Reichl, editora da finada revista Gourmetcujo título é Tender at the Bone. Esse eu comecei a ler right away. Tinha muita curiosidade sobre a trajetória dessa mulher, já que penso muito em enveredar pela escrita gastronômica, e ela é um ícone na área.  
Já tô nas últimas páginas do livro, e hoje li um trecho especialmente significativo, em que a autora resolve finalmente ir trabalhar em um restaurante depois de anos cozinhando por prazer apenas. A descrição que ela faz de se estar na cozinha, 100% presente, sentindo cansaço físico agudo depois de uma jornada de trabalho, e ainda assim - talvez exatamente por todos esses motivos - ser uma experiência prazerosa, se encaixou com perfeição à maneira como eu enxergo esse ofício.
Ler isso hoje à tarde me fez um bem enorme, já que meu dia não vinha sendo fácil... No 1º dia em que me puseram a montar pratos, eu obviamente cometi alguns enganos e pude provar da ira de um dos cozinheiros. Confesso que com isso eles perceberam que às vezes, ter uma mulher na cozinha pode ser um pouco diferente. Até hoje, nunca tinha me importado com patadas, cortes, queimaduras (tirando aquelas queimaduras...), nunca tinha derramado uma lágrima em serviço. Até hoje. Mas também nunca tinha sido destratada no trabalho. Não dei chilique, não parei de trabalhar, mas as lágrimas começaram a escorrer, couldn´t help it! E aquela brigada tão concentrada, rápida e precisa se desestruturou, como fazem os homens sempre que vêem uma mulher chorar... O próprio chef logo parou o que tava fazendo pra vir conversar comigo, se desculpar pelo temperamento do sujeito e checar se eu realmente estava bem. O esquentadinho pediu desculpas e logo o serviço acabou. No vestiário, a Kasia, uma garçonete do restaurante vizinho, viu meus olhos vermelhos e veio me confortar, conversar um pouquinho comigo. Por último, ela me aconselhou: "don´t be such a nice person!". She was rather nice, though. Fosse latina, eu teria dado um abraço. Sendo russa, por via das dúvidas, dei um aperto de mão e um sorriso sincero.
Falei em diferenças entre homens e mulheres na cozinha porque pensei bastante sobre isso ao longo do resto do dia. E pode ser mesmo que um homem jamais chorasse em uma situação como essa. Mas tenho certeza de que meus colegas não consideram agradável, ou mesmo natural, receber um tratamento agressivo no ambiente de trabalho. Assim como os homens com quem eu trabalhei anteriormente sempre foram igualmente competentes e muitíssimo mais educados, tendo me recebido na cozinha do Hashi, em Porto Alegre, quando eu não tinha absolutamente nenhuma experiência. Na minha cozinha grosseria nunca vai ser rotina. E a partir de segunda, chega de ser boazinha. Agora o pastry chef rabugento vai conhecer a verdadeira Mariana!
Have a lovely weekend!

3 comentários:

  1. Mari, este post me lembrou mto de uma situacao que vivi qnd trabalhava de garconete...toda a correria da cozinha e a pressao e as grosseria recebidas ao fazer algo errado. Um dia as lagrimas tb comecaram a escorrer incontrolavelmente dos meus olhos por conta de grosserias de um garcom frances... mesma coisa q tu descreveu, movimentacao para me consolar, pedido de desculpas... mas por nao estar em busca do meu sonho, ao contrario de ti, eu tive um chilique, fui embora e nunca mais voltei!! Situacao interessante na minha vida...what an experience! Daqui uns dias tu nem da bola mais e fica a historia!
    Bjs, Tati.

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  2. Lindona, deste um tapa de l...ágrimas!!
    Amada, concordo muito contigo: a competência jamais vem acompanhada de grosseria; meus melhores e mais sábios mestres sempre se mostraram atenciosos e gentis. Reagir como reagistes fez vir a tona o melhor do ser humano, que é a ligação com os outros. Muito orgulhosa da minha filhona!

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  3. Concordo com todo mundo aí em cima, mas não posso deixar de comentar: esse é o momento de colocar a Mari rabugenta, que dava as caras de vez em quando por aqui, pra fora!!! E quando a coisa apertar muito, manda todo mundo à merda em português... deve aliviar! Hehe! Boa sorte, honey!

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